A Coragem de Habitar a Própria Vida
Tem dias em que levantar da cama exige uma força que ninguém vê. Você olha para o teto, o corpo ainda pesado, e a pergunta vem, cortante: é isso? Esta é mesmo a vida que estou habitando, ou apenas a vida que me ensinaram a suportar?
Habitar a própria vida soa como um conceito bonito. Mas na prática, é um mergulho. E como todo mergulho, há medo, vertigem, perda de ar.
É como descer um tobogã muito alto. Você sobe os degraus com a boca seca, sentindo cada passo como um risco. Lá de cima, o mundo parece outro, distante. Você sabe que não há mais volta, mas o corpo hesita. Quer frear. O desejo, porém, quer ir. E quando finalmente você se solta, o primeiro movimento é queda. O frio na barriga, os olhos cerrados, as mãos que se apertam num reflexo de contenção. Mas no fundo, há água. Há respiro. E há um outro corpo que emerge, um corpo que, mesmo ofegante, já não é o mesmo que subiu.
Tomar as rédeas da própria vida é isso. No começo, dói. Dói ver as idealizações desmoronarem. Dói encarar as repetições que por tanto tempo sustentaram um falso conforto. Dói reconhecer que, por anos, nos moldamos para caber, e que caber nos custou caro.
Há um luto nesse processo. Um luto pelo que fomos. Pelo que não pudemos ser. Pelo que, de agora em diante, não seremos mais.
É mais fácil ficar onde se está, mesmo quando se sufoca. É mais fácil porque é conhecido. Porque o corpo se acostumou. Porque o medo sussurra que, lá fora, no espaço da escolha real, tudo é incerto.
Mas a vida pulsa, mesmo quando tentamos silenciá-la. Mesmo quando o medo insiste: fique aqui, não arrisque.
A coragem de habitar a própria vida nasce quando começamos a escutar esse pulso. Quando, mesmo no desconforto, aceitamos não saber qual será o próximo passo. Quando damos espaço, ainda que tímido, ainda que embrionário, para um desejo que é nosso e não do mundo.
Nem sempre você vai se levantar da cama como quem começa um dia luminoso. Haverá dias em que se arrastará até o banheiro, encarando no espelho um rosto cansado. Mas será um rosto que escolheu, enfim, não trair mais a si mesmo.
Habitar a própria vida é suportar as rupturas necessárias. É perder pessoas, laços, lugares que existiam apenas porque você não se escutava. É, por vezes, ficar só. Mas é também se sentir, talvez pela primeira vez, inteiro.
Não é um processo linear. Não é um processo bonito para as redes sociais. Não é feito de frases prontas. É um trabalho de carne, de osso, de lágrima, de palavra e de silêncios profundos.
E então, um dia, quase sem perceber, você estará respirando diferente. Escolhendo diferente. Desejando diferente. E verá que a vida, com todas as suas imperfeições, estará finalmente sendo habitada por você, e não mais por um personagem treinado para agradar o mundo.
Esse dia não chega com fogos de artifício. Chega em um gesto banal. No modo como você diz um não. Na escolha de um livro. No simples desejo de mudar o caminho de casa. Na capacidade de ficar só, sem se sentir vazio.
E nesse instante você entende: o tobogã era assustador, sim. Mas você chegou. Molhado, ofegante, atravessado. Vivo. Muito mais vivo do que jamais foi.