O amor real não é aesthetic
Quando foi que o amor virou vitrine?
Quando foi que começamos a desejar amores que coubessem em molduras?
Que rendessem cliques, elogios, olhares invejosos?
Quando foi que amar virou um projeto de imagem, um corpo de casal encaixado, uma estética a ser performada?
Olhe em volta.
Rostos sorridentes.
Copos de vinho erguidos em jantares perfeitamente montados.
Beijos enquadrados na luz ideal.
Textos romantizados, arrancados de contextos que ninguém vive de fato.
Mas eu pergunto: quem é que mostra o depois?
Quem é que expõe o silêncio de um jantar em que já não se sabe mais o que dizer?
Quem é que fotografa o corpo exausto, deitado na cama, sem vontade de tocar nem ser tocado?
Quem é que posta a raiva muda, o medo de perder, o ciúme que corrói em silêncio?
Não. Isso não rende. Não cabe no feed.
O amor real, esse que atravessa, que marca, que fere e reinventa, não é aesthetic!
Porque o amor real é feito de falta.
E falta não vende.
Falta não embeleza.
Falta não viraliza.
O amor que atravessa é o que escancara.
É o que nos joga de volta para a nossa solidão estrutural.
É o que não preenche, mas desnuda.
Você já olhou para alguém que ama e, no fundo, sentiu um vazio que nem o outro sabe tocar?
Pois é disso que estou falando.
A psicanálise nos diz: não há Outro que nos complete.
Não há encontro que dissolva a angústia de existir.
Não há amor que nos salve de nós mesmos.
Mas estamos tão seduzidos por uma lógica de exposição que passamos a desejar amores que nos mostrem como felizes, como bem-resolvidos, como desejáveis.
E esquecemos que amar é falta.
Amar é desejar apesar da falta.
Amar é sustentar a própria solidão mesmo no laço.
Mas quem quer sustentar a solidão hoje?
Quem quer sustentar o não-saber?
Quem quer sustentar um amor que não se ajusta à estética da perfeição?
A lógica contemporânea não suporta a imperfeição.
Não suporta o tempo do amor.
Não suporta a repetição, o tropeço, a crise.
Por isso trocamos.
Rápido.
Antes que a falta escancare demais.
Antes que o desejo decline, como sempre declina, como precisa declinar para que possa renascer.
Mas não damos tempo.
Substituímos.
Passamos para a próxima imagem.
E assim o amor se esvazia.
Viramos consumidores de experiências afetivas.
Relações em série, embaladas para alimentar o vazio que não se resolve.
Mas eu pergunto a você que me lê: até quando?
Até quando vamos correr atrás de amores que só servem para nos proteger do que não queremos encarar?
Até quando vamos querer ser amados por um ideal que não nos suporta em carne, em contradição, em limite?
O amor real não é aesthetic.
Não é feito para ser bonito o tempo todo.
Não é feito para render orgulho público.
É feito de falha.
De desejo vacilante.
De medo.
De encontro e desencontro.
De palavras que doem.
De silêncios que pesam.
De mãos que, às vezes, não se tocam.
É feito de atravessamento.
Quem ama, sustenta.
Sustenta o que não se mostra.
Sustenta o que não cabe no olhar alheio.
Sustenta o que é só do entre, e que só quem vive pode saber.
Amar é abrir mão do ideal.
É perder o controle.
É aceitar que o outro não virá nos salvar.
É estar com o outro porque se deseja, não porque se precisa ser visto com ele.
Então, da próxima vez que você se pegar desejando um amor que caiba em fotos bonitas, pare.
Pergunte a si mesmo: estou disposto a amar de verdade?
Estou disposto a sustentar o que não se mostra?
Estou disposto a viver o amor como ele é — imperfeito, falho, atravessado — e ainda assim, vivo?
Porque é só aí que o amor acontece.
E esse, meu bem, não tem filtro que dê conta.