Jese Leos

Ser Psicanalista

Ser Psicanalista é sustentar a coragem de questionar exatamente o desconforto que o outro evita encarar. É sustentar a posição daquele que não presume conhecer o sujeito que tem diante de si.

É acolher o enigma do sofrimento sem antecipar sentidos, sem colonizar a história que ainda se desenha.

É um mergulho no desconhecido, que exige que o próprio analista se confronte com seus abismos internos.

É atravessar o silêncio espesso e os gritos que não foram ditos, sustentando, com o corpo inteiro, a ausência de respostas fáceis.

Sustento o que é insuportável:

o vazio que se instala entre uma fala e outra,

a resistência que desafia a continuidade,

a agressividade que atravessa o vínculo,

a sedução que tenta capturar,

o desamparo que paira no ar, sem que eu me perca, sem que eu me dissolva.

Ser analista é ser também atravessado: atravessado pelo não-saber, pela suspensão do julgamento, pela responsabilidade silenciosa de suportar o tempo do outro.

É ser rasgado pela impossibilidade de curar ou de apressar um processo que é do sujeito, e somente dele.

É sustentar o vazio não como ameaça, mas como território onde algo, se o outro puder, poderá emergir.

Recebo quem chega:

às vezes em pedaços evidentes;

às vezes escondido atrás de máscaras tão bem montadas que nem ele mesmo sabe que está em ruínas.

Recebo sem invadir, sem interpretar antes da hora, sem forçar revelações que ainda não podem nascer.

Com a delicadeza brutal de quem sabe que há dores que, antes de serem atravessadas, precisam ser respeitadas.

Ser psicanalista é abrir mão do impulso de 'consertar'.

É permanecer junto no tempo da queda, no tempo da dúvida, no tempo da dor.

É confiar que, mesmo no caos, algo se move.

E que sustentar o espaço para esse movimento é, já, uma profunda forma de cuidar.

E nessa entrega silenciosa, aprendo, todos os dias, que talvez a maior dignidade humana seja essa: ser testemunha do outro quando ele ainda não consegue ser.

© Copyright 2025. Todos os direitos reservados.